
Selvajaria Records
Junho 2022


Rosa Soares
“Um Caminho Sem Retorno” é o segundo trabalho da dupla Lord Sir 7 Peles (pai) e Lady Noir (filha), no qual se nota uma clara evolução em relação ao EP “Ribeiro Escuro”, de 2018.
“Um Caminho Sem Retorno” fala-nos da decadência inevitável do Homem, do seu caminho em direção ao fim, marcado pela dor, pela desesperança, pela aceitação e até desejo da morte. É um trabalho que pode ser interpretado de forma direta, fria e crua do Homem individual ou, de uma forma mais metafórica enquanto a existência e desistência da Humanidade.
Ao longo de 11 registos, somos levados ao nosso lado mais negro, mais mórbido e mais secreto, tão secreto que alguns poderão nem o conhecer – “Um Caminho Sem Retorno” será um bom guia inicial.
Começa com uma “Intro”, instrumental marcado pela sonoridade da guitarra portuguesa, para logo de seguida nos entregar “Anjo da Morte”, onde as duas vozes criam um ambiente bastante interessante e nos deixa logo intrigados sobre como será este tema cantado por uma Lady Noir mais velha e de voz mais madura.
“Eutanásia “é instrumentalmente cativante e liricamente inquietante. O terminar, ao som dos batimentos cardíacos que desvanecem até que são parados com o desligar da máquina que os mantinha – a execução da eutanásia – provoca inicialmente uma angústia, um sufoco, culminando numa sensação de liberdade.
Segue-se “Queda ao Abismo”, tema que contêm diversas flutuações e mudanças de ritmo. A voz de Lord Sir 7Peles remete-nos para a escuridão, para o abismo, para a morte, enquanto que Lady Noir nos transporta para uma escuridão que consegue ser salvação, um fim doce por ser a anulação da dor.
As faixas cinco e seis são na realidade uma só, não existindo quebra entre o fim de uma e o início da outra. Começa como se ouvíssemos um chamamento para algo, para uma batalha ou a chegada de uma tormenta. É como se conseguíssemos ver um desfile de almas perdidas ou de seres renegados, abandonados após a pilhagem da sua terra, onde nada mais resta que a fustigação da tempestade que se abate sob os corpos mortos e moribundos. Mais uma vez Lady Noir aparece com a sua voz a transportar-nos para uma doçura dorida, quase que um abraço dado pelo anjo da morte. É um tema que metaforicamente nos transporta para a realidade da depressão, que tantas vezes é um caminho sem retorno.
Com um ritmo de quase trava-línguas “Desígnios de Lúcifer” faz-nos pensar no que Lady Noir será capaz de fazer daqui a uns anos. É um tema que nos traz a dualidade da calma quando termina a dor e o ritmo quase alucinante de quem procura a saída dessa mesma dor.
E como se a morte nos falasse das profundezas, como se as suas garras saíssem da terra e envolvessem o corpo já sem alma alimentando-se da carne, surge “Alicerces da Casa Mortuária”, para de seguida sermos confrontados com o tema que talvez seja o mais sombrio de todos, atmosfera para a qual contribui a ausência da voz de Lady Noir. Falo de “O Mundo Morreu”, composição que nos convida a uma caminhada solitária e decadente do próprio fim.
E tal como começou, o álbum termina com um instrumental, “Silêncio”, onde a guitarra portuguesa volta a marcar presença, e onde se marca o silêncio do fim de uma caminha marcada pela dor, pelo sofrimento, pela decadência.
“Um Caminho Sem Retorno” é daqueles álbuns que merecia uma produção mais estável, pois ao longo dos temas percebem-se algumas oscilações. É um trabalho bastante gráfico, cinematográfico até, pois ao longo da sua audição somos capazes de visualizar o conteúdo lírico e quase criar uma história bem ao estilo dos mestres do terror. Outro ponto a destacar, é que não deixa de ser interessante e até intrigante ouvir uma jovem cantar estes temas com uma entrega de sentimento contrastante com a sua juventude e a, ainda, ausência da dor emocional que o álbum retrata.
“Um Caminho Sem Retorno” não é um álbum fácil nem se rápida assimilação. É um daqueles álbuns para os quais não há meio termo: ou se ama ou se odeia.